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Acabei de ler um livro que me tirou do lugar-comum e me fez repensar muitos dos conceitos que costumo defender como especialista em remuneração. “Além da Queda – O Que Perder Tudo Me Ensinou Sobre Vida, Saúde Mental e Negócios”, de Juliano Godoy, é daqueles relatos que nos obrigam a olhar para além dos números, dos gráficos e das fórmulas dos programas de incentivo. É uma história real, corajosa e, acima de tudo, profundamente humana sobre os bastidores dos programas de remuneração variável e seus impactos na vida das pessoas.
Conheço Juliano há mais de vinte anos. Nossos caminhos se cruzaram em uma empresa que era referência em alta performance, onde a meritocracia era celebrada e os profissionais eram estimulados a buscar resultados extraordinários, recompensados com bônus agressivos e planos de incentivos de longo prazo. Era o cenário perfeito do ganha-ganha: acionistas satisfeitos, profissionais motivados, negócios crescendo em ritmo acelerado. Mas, como o próprio livro nos relembra, há também riscos.
Quando uma empresa desenha sua estratégia de remuneração, cada escolha carrega mensagens poderosas. O mercado de comparação, o nível de competitividade, o equilíbrio entre salário fixo e variável, os mecanismos de premiação – tudo isso influencia comportamentos, expectativas e, principalmente, decisões. O que acontece quando optamos por uma remuneração fixa enxuta e um variável robusto? E quando trocamos ganhos imediatos por promessas de recompensas futuras, atreladas ao desempenho da empresa? Será que estamos preparando nossos profissionais para lidar com a pressão, a incerteza e os riscos desse modelo?
O livro de Juliano expõe, sem rodeios, o lado menos glamouroso dessa equação. Ele narra sua trajetória de sucesso, a mudança para os Estados Unidos com a família e o entusiasmo ao receber um pacote de incentivos que parecia garantir estabilidade financeira. Mas, como tantas vezes acontece no mundo corporativo, o futuro reservava surpresas. Mesmo com dedicação total, planos de negócios bem estruturados e indicadores internos positivos, fatores externos – e muitas vezes imprevisíveis – podem mudar o jogo. O mercado pode interpretar os resultados de outra forma, crises podem surgir, a reputação da empresa pode ser abalada por decisões de terceiros. E, de repente, aquele cenário promissor se transforma em uma queda vertiginosa.
O mais interessante – e inquietante – é perceber como, diante dessas situações, muitos profissionais não estão preparados para lidar com a frustração. O livro nos convida a refletir: será que as empresas são transparentes sobre os riscos envolvidos nos programas de incentivo? Os elegíveis a esses planos recebem orientação financeira suficiente para tomar decisões conscientes? Quantos executivos realmente entendem as regras do jogo e as consequências de suas escolhas? Não é raro ver profissionais deixando dinheiro na mesa ao sair da empresa, ou apostando em cenários improváveis, movidos por expectativas irreais.
Como entusiasta dos programas de remuneração variável, especialmente dos planos de longo prazo, acredito no poder transformador desses mecanismos. Eles são, sim, ferramentas valiosas para alinhar interesses, engajar talentos e impulsionar resultados. Mas precisamos ir além do discurso. É urgente investir em letramento financeiro para executivos, criar espaços de diálogo sobre riscos e preparar as pessoas para lidar com as incertezas do mercado. Não basta oferecer incentivos generosos – é preciso garantir que todos compreendam o funcionamento dos programas e estejam prontos para tomar decisões informadas.
Outro ponto alto do livro é a abordagem sobre os vieses comportamentais que influenciam nossas escolhas. Juliano mergulha em conceitos como o viés de confirmação – aquela tendência de buscar informações que reforcem nossas crenças e ignorar evidências contrárias; o efeito halo, em que deixamos uma impressão positiva ou negativa influenciar nossas opiniões em outras áreas; e a teoria do prospecto, que explica por que, muitas vezes, tomamos decisões mais arriscadas para evitar perdas do que para conquistar ganhos. São armadilhas mentais que afetam até mesmo os profissionais mais experientes – e que podem custar caro.
O grande mérito de “Além da Queda” está em transformar uma experiência dolorosa em um manual de autoconhecimento e prevenção. Juliano não se limita a contar sua história: ele compartilha aprendizados, propõe reflexões e oferece um verdadeiro “gabarito” para quem deseja tomar decisões mais conscientes – seja na vida financeira, na carreira ou nos negócios.
O livro é um convite para que empresas e profissionais estudem seus próprios vieses, questionem certezas e estejam abertos a aprender com os erros, antes que seja tarde demais. Como o próprio autor demonstra, o verdadeiro sucesso não está em nunca cair, mas em saber se levantar – e aprender – depois da queda.
Por Fernanda Abilel, professora na FGV e sócia-fundadora da How2Pay, consultoria focada no desenho de estratégias de remuneração.
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